sábado, 6 de dezembro de 2008

Sonhos

A questão da maternidade tem cruzado o meu pensamento e me perseguido nos mais inesperados momentos. Algo que há pouco tempo parecia duvidoso de ser desejado, se mostra hoje feroz e certo como um sonho desses que o indivíduo arrasta com veemência da infância pelo transcorrer de sua vida. E talvez seja mesmo um determinado sonho infantil, ainda que não nos demos conta.
Em meio a uma sociedade vil de tão insana e frenética, aos lúcidos chega a parecer loucura conceber-se a idéia de dar vida a mais um pobre filho de Deus condenado, não só a um destino fadado ao desgaste social e econômico, mas também à uma existência no seio de um planeta cujos recursos naturais, tão essenciais à vida humana, estão se esvaindo diante de nosso passivo olhar.
Mas como combater um instinto tão arraigado nas entranhas femininas? Como enregelar um impulso tão natural e puro? Dormindo talvez. Boa noite.

sábado, 15 de novembro de 2008

Preguiça

Profunda, persistente, INsistente. No entanto, é preciso vencê-la de vez em quando.
É por sua causa que permitimos que perdurem mal-estares psicológicos ; que humildemente aceitamos um destino adverso ou que contribuimos, mesmo sem disto ter conhecimento, para a perpetuação da barbárie social. Não trouxesse ela tamanhas consequências, não seria o sexto pecado capital.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Dona Rosa Maravilha

E como já dizia D. Rosa Maravilha:
"O mundo é uma bola grande.
Só uma pq se fossem duas, ele seria um (...) "

Genial

...

em estado de suspensão

Um vidro de shampoo

Acordou dentro do meu estômago
Virando e revirando

Ora, se está tudo certo, por que
haveria eu de acordar com um shampoo?
Que séca essa vida de gente correta.
Cansei de ser uma dessas gentes.

Apesar de saber bem aonde quero ir

Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.

Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...

Talvez o mundo exterior tenha pressa de mais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...
Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra: devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?

Álvaro de Campos

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Sem fantasia

Chico Buarque

Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer

Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perde-te em meus braços
Pelo amor de Deus

Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu

Ah, eu quero te dizer
Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer
Que eu vim pra não morrer

De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus

Máxima

"Não sou jovem o suficiente para saber tudo".
Oscar Wilde, é claro

Liberdade

Por fim me convenceu
Não por cansaço ou moral
Pelo sentir, pela razão
E pela fria lógica da existência.
Sou, em fim, livre
Vejo diante dos olhos
A imensidão de possibilidades
Recebo o troféu e estou
Pronta, de cima a baixo,
para ser.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

(d)Existindo

"Todo ente nasce sem razão, se prolonga por fraqueza e morre por acaso".
Sartre

"O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio... "
Trecho de Aniversário de Álvaro de Campos

"Concomitantemente aprendi que se perde sempre. Só os Salafrários pensam que ganham. (...) vou sobreviver a mim mesmo. Comer, dormir. Dormir, comer. Existir lentamente, suavemente, como essas árvores, como uma poça d'água, como o banco vermelho do bonde".
Sartre

quinta-feira, 26 de junho de 2008

O insight

É ir e vir, transitar da ebriedade à sobriedade e de volta à ebriedade
Até que se fundam e me confundam
É trabalhar e trabalhar e trabalhar
Para comprar e comprando esquecer um pouco
Mesmo que sirva só para aqueles curtos segundos
O que importa no fundo...
Ah, isso não dá mesmo
Então adiemos
Adiemos a vida até...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

O que fazer?

Quando o que falta conquistar não pode ser conquistado e todo o resto já se concretizou? Sorrir? Chorar? Dar-se por satisfeito? Desistir? Insistir? Procurar algo a querer? Talvez comprar...
É parte de si, cindindo;
É um vácuo a sugar energias;
É a falta de sono ou estar farta dele.
É uma preguiça macunaímica cúmplice de vícios entorpecentes.
É a overdose do pijama, vestimenta solene dos cômodos de Pasárgada.
É a falta do porquê, do para quê.
É isso tudo na neblina de um olhar;
Nos curtos segundos de um suspiro;
Na rara pausa da vida, que permite enxergar com nitidez,
Pouco, mas além da ferida dormente.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Revoada


Blackbird - Beatles
Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise

Black bird singing in the dead of night
Take these sunken eyes and learn to see
all your life
you were only waiting for this moment to be free

Blackbird fly, Blackbird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise

Assum preto - Luíz Gonzaga
Tudo em vorta é só beleza
Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor (bis)
Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá de mió
Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá
Assum Preto, o meu cantar
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus.

domingo, 8 de junho de 2008

Engraçado que no final queijo branco combina sim com palmito

E são assim as coisas inesperadas que nos acontecem...

(Des)Esperança da Rosa

A rosa
Era especial, mas de sonho regular:
Para o perdão seria a ferramenta;
O detalhe que não pode faltar à noiva,
Ou uma a mais numa coroa ou num caixão.

Fosse qual fosse o sonho a se realizar
O importante era, de um modo ou de outro, que sua função se cumprisse.

Não importava ter vencido,
Na inesperança, o asfalto.
Qualidades sobravam para que
Tal destino bastasse, mas era só aquilo
Tudo que queria.

sábado, 7 de junho de 2008

Alegria do menino

O menino
Quieto, um pouco triste e só.
D' O pequeno príncipe
Ao invés da jibóia, ou da raposa,
O cativou a rosa.
Queria sua forma, cor e essência.
Queria a mais bela rosa
Para si, para sempre.
E buscou-a:
Pulou o portão vizinho.
Com uma pedra distraiu o cão.
Respirou fundo, pisou leve,
Esticou o seu comprimento e tocou-a.

Estremeceu.
O coração bateu forte na garganta.
Era sua a mais bela rosa de toda a vila.

Fez o caminho de volta
Com ar de Napoleão,
Ansiedade de principiante,
Honra de Odisseu
E orgulho de quem já não precisa das rodinhas da bicicleta.

Nas mãos, a rosa
E no rosto de suor, o rubor
Da euforia dos segundos que precedem a conquista.

Fora um fósforo a se acender.

Gauche na vida

Sou gauche na vida, mas poucos aceitam isso. A loucura é muitos entenderem e mesmo admirarem, mas ao mesmo tempo se chatearem com isso. Há paradoxo em cada gesto, sobra cobrança, falta auto estima, segurança.
A barganha reina soberana, o que é instintivo, mas... o que foi feito da inteligência, da racionalidade? Oras, não me venham com convenções! Estou farta de entrelinhas!
Ah, um suspiro pela rosa que só queria ir pro caixão...

Un autre cadeau

VOCÊ NÃO ENTENDE O MEU TORMENTO
ESSA DOR QUE VIVE UM TEMPO QUE NINGUÉM VÊ
AH! É TÃO DIFÍCIL SER SÓ, MAS A SOLIDÃO É UM VICIO LEVE...
DE QUEM ALIMENTA O GOSTO DE SER LIVRE AMANHÃ
TROCO UM ABRAÇO POR SILÊNCIO
TROCO SEU BEIJO PELA SORTE
DE VAGAR PELA CIDADE BEM DEVAGAR...
ARRISCO UM SONHO UM PARAISO
MIL VEZES PERCO O JUIZO
NA ESPERANÇA DE TE ENCONTAR...PRA DEPOIS
QUEM SABE...
ORIENTE MEUS PASSOS PARA LONGE DOS SEUS E DESCUBRA A MIM MESMO....
QUEM NO PRINCIPIO OU FIM DE TODA ESTÓRIA
DESCUBRA VOCÊ!!
EM MIM

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Menu de ontem: Pain carbonisé

Aprendi essa receita quando estudei na Cordon Bleu. O tempo de preparação e os ingredientes são secretíssimos!!! Não parece delicioso?

Amores

Quadrilha - Drummond

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Flor da Idade - Chico Buarque


A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor

Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família
A armadilha
A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha
Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha
Que maravilha
Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor

Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua
A gente sua
A roupa suja da cuja se lava no meio da rua
Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua
E continua
Ai, a primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor

Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava
a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha

Espinho na roseira / Drummonda - Karnak

Tem espinho na roseira
Cuidado vai cortar a mão
Pedro Alcântara do Nascimento amava Rosa Albuquerque Damião Pedro Alcântara amava Rosa, mas a Rosa não amava ele não Rosa Albuquerque amava Jorge, amava Jorge Benedito de Jesus
E o Benedito, Bendito Jorge, amava Lina que é casada com João
E o João, João sem dente, amava Carla, Carla da cintura fina E a Carla, linda menina, amava Antônio Violeiro do Sertão.
E o sertão vai virar mar
E o mar vai virar sertão
E o Antônio, cabra da peste, amava Júlia que era filha de Odete
E a Odete amava Pedro, que amava Rosa que era prima de Drumond
E o Drumond era casado com Maria que era filha de Sofia, mãe de Onofre e de José
E o José era casado com Nazira que era filha de Jandira, concubina de Mané
E o Mané tinha 17 filho 10 homens e 6 menina e um que ia resolver
E o rapaz tava já na adolescência tinha brinco na orelha e salto alto prá crescer.
E o Rodolfo que jç era desquitado era homem mal amado não queria mais viver
E encontrou Maria Paula de Arruda que lhe deu muita ajuda fez seu coração nascer
E são essas histórias de amor
Que acontecem todo dia sim senhor

"A vida é cheia de encontros, mesmo havento tantos desencontros nessa vida..." V. de Moraes

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Comeu a ração, bicou a minha mão e se mandou!

Presentes que me deixaram contente

Que generoso o português
(e a dona Inês!)
Que permite um nome assim
De beleza singular
Ao mesmo tempo
Sujeito e verbo
Que tem na personalidade o seu predicado
Presente sempre
Passado constante
Independente do que vier
É e fez
Foi, fará e será
Lia
.......................................................................

Lia

Só, pensava, Lia
Lia só, em mim pensava
quando acordo de repente
De um sonho retornava ?

Via tu, não era Lia..
Só pensava ou escrevia ?
Sonho bom que era você
Nunca achei que acabaria

Te inspira tal poema ?
Quem me dera essa tal Lia
Em minha frente aparecese
Carne, alma, osso e poesia

Sonhos são assim !

Lindos cabelos negros, olhos de alegria
Começam e acabam ao clarear do dia...
Hei de reconhecer que apenas um sonho me bastaria
Se acordar, ao lado meu, estivesse tu ó linda Lia !

segunda-feira, 19 de maio de 2008

A cegueira de quem muito tem. O silêncio de quem muito necessita.

Quanto às atrocidades diárias
Cegai-nos, Senhor
Quanto às injustiças familiares
Cegai-nos, Senhor
Quanto à castidade filantrópica
Cegai-nos, Senhor
Quanto ao silêncio oportuno
Cegai-nos, Senhor
Quanto à vileza da omissão
Cegai-nos, Senhor
Quanto à desigualdade social
Cegai-nos, Senhor
Quanto à miséria alheia
Cegai-nos, Senhor
Quanto à violência bem nutrida
Cegai-nos, Senhor
Quando à fartura da fome

Cegai-nos, Senhor
Quanto à liquidez dos sonhos

Cegai-nos, Senhor

Quanto à criminalidade da riqueza

Cegai-nos, Senhor
Quanto à procriação da ignorância
Cegai-nos, Senhor
Quanto às atrocidades várias
Calai-nos, Senhor
Quanto aos familiares injustiçados
Calai-nos, Senhor
Quanto à casta rebelia
Calai-nos, Senhor
Quanto às oportunidades silenciadas
Calai-nos, Senhor
Quanto à vileza de ser são
Calai-nos, Senhor
Quanto à sociedade sempre igual
Calai-nos, Senhor
Quanto aos alheios à miséria
Calai-nos, Senhor
Quanto à nutrição violentada
Calai-nos, Senhor
Quanto à faminta fartura
Calai-nos, Senhor
Quanto aos sonhos intangíveis
Calai-nos, Senhor
Quanto ao rico criminoso
Calai-nos, Senhor
Quanto a nossa pobre geração
Calai-nos, Senhor

Um amigo me mandou

Amor, então, também acaba?

Não, que eu saiba.
O que sei é que ele se torna matéria-prima
Que a vida se encarrega de transformar em raiva
- ou em rima.

Paulo Leminski

sábado, 10 de maio de 2008

Prévia do porvir

A rosa desfolhada

Composição: Vinicius de Moraes / Toquinho

Tento compor o nosso amor
Dentro da tua ausência
Toda a loucura, todo o martírio
De uma paixão imensa
Teu toca-discos, nosso retrato
Um tempo descuidado

Tudo pisado, tudo partido
Tudo no chão jogado
E em cada canto
Teu desencanto
Tua melancolia
Teu triste vulto desesperado
Ante o que eu te dizia
E logo o espanto e logo o insulto
O amor dilacerado
E logo o pranto ante a agonia
Do fato consumado

Silenciosa
Ficou a rosa
No chão despetalada
Que eu com meus dedos tentei a medo
Reconstruir do nada:
O teu perfume, teus doces pêlos
A tua pele amada
Tudo desfeito, tudo perdido
A rosa desfolhada


terça-feira, 6 de maio de 2008

Não é miojo, mas pede 3 minutos


de silêncio e reflexão

"E se eu morrer, véu
E se eu viver, réu"

Pedacinho de Homem da Sucursal. Miltão e F. Brant, só podia.
E La Pluie de Chagall

domingo, 27 de abril de 2008

Por um iraquiano-brasileiro


Bagdá ...Oh Bagdá

por Khalid Tailche

Destruíram meu país
e nas suas ruínas
implantaram o terror

Araram a terra com as bombas
e irrigaram suas diabólicas ervas
com as lágrimas das viúvas


Bagdá...
terra da alegria e da música
terra de ciência de literatura
tornou-se a terra de lamúria

Suas portas estão abertas
para o vento amarelo
Suas ruas são refúgios
para os lobos frenéticos
e os bêbados de sangue

Bagdá, Oh Bagdá
roubaram sua riqueza
e expulsaram seus filhos
e não deixaram em ti
pedra em cima de pedra

Tivemos paciência
seja paciente
Para cada doença há remédio
e para cada criminoso há destino


Originalmente publicado
aqui.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Do meu "si"

Sinfonias de panelas ao fogo
Auto suficiência ilusória
Solidão acompanhada
Jornada fadada
Asfixia ao ler manchetes
Taquicardia ao ler Pessoa
Leitura velada
Silêncio na angústia
Rebeldia na persistência
Alegria provisória
Infelicidade medida
Existência descompassada

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Da solidão expandida


A nitidez dissipa as partilhas e torna meu caminho verde só. É doce de liberdade, triste e feliz (não havendo aí oposição). Fiel, fértil, febril, freqüente. Se me estorva por vezes. Mais do que resisti; insiste, fecunda e me elucida. Faz do correr áspero; mental do tempo. Faz da vontade possibilidade, alimenta e consome. Unidade, ceticismo, saudade, piedade de nós que elegemos submergir.

domingo, 13 de abril de 2008

Inútil tomada de consciência prévia ao sono

A lembrança das cabeças desprotegidas no tempo
A carne ora a derreter na sequidão, ora a trincar no vento frio
Mais uma manhã regular
E tantos corpos pelo chão

Vidas potenciais sofridas pelos cantos
Buscando nada além do que o urgente:
Sustento imediato para ossos duros e peles grossas

Quase zumbis num vagar incômodo
Causando "credos" de asco
Desengasgando de cútis hidratadas - e muitas ocas - "ais"
Mistos de culpa e dó.

Pois consome, come, cala
Remedia, adia
E dorme.

Dust of Snow

The way a crow
Shook down on me
The dust of snow
From a hemlock tree
Has given my heart
A change of mood
And saved some part
Of a day I had rued.
Robert Frost

sábado, 12 de abril de 2008

Das mortes que há na vida

Só os sonhos me permitem

Frações medidas de alma em euforia

Nos dias claros me vejo cindida

Tanta morte há na lida!

E de repente já não há lar

A labuta não me aflige

(sequer fatiga)

Me vejo ébria

E sou livre

Mas num minuto de percepção

Se esmaece a fantasia

Me vejo sóbria

E sou triste

O caminho não trilhado

Apesar desse poema do Robertão ser um dos mais famosos e verdadeiramente maravilhoso, ele ainda não é o meu preferido. Mas este ficará para outra ocasião… enjoy!

The Road Not Taken

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I-
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.

Robert Frost

Gotas de Água Viva

Depois da labuta, das compras, da festinha e do retorno ao lar, não sei por que raios, me vi parada na frente da estante olhando para um livro. Era o Água Viva da Clarice. Recordo que comprei esse livro na Laselva do aeroporto de Congonhas e o li de uma única sentada durante um vôo desses curtinhos. Fiquei extasiada com o modo como alguns pensamentos íntimos e subjetivos (tão subjetivos que parecem mais borrões de sentimentos) foram dissecados. Abri o livro e reli ostrechos grifados. E só assim se completou o meu dia. Agora já posso ir dormir.
*
*
“Domingo é dia de ecos - quentes, secos, e em toda a parte zumbidos de abelhas e vespas, gritos de pássaros e o longínquo das marteladas compassadas - de onde vêm os ecos de domingo? Eu deteso domingo por ser oco.”
*
“O dia parece a pele esticada e lisa de uma fruta que numa pequena catástrofe os dentes rompem, o seu caldo escorre. Tenho medo do domingo maldito que me liquifica.”
*
“Dor é vida exacerbada. O processo dói. Via-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar. E o sangue agradece. Respiro, respiro.”
*
“É que os seres excepcionais em qualquer sentido estão sujeitos a mais perigos do que o comum das pessoas. (…) E eu tava tão feliz que me encolhi no canto do táxi de medo porque a felicidade dói.”
*
“Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio.”
*
“Mas eu denuncio. Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer - e respondo a toda essa infâmia com - exatamente isto que vai agora ficar escrito - e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. (…) Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas - porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou - apesar de tudo oh apesar de tudo - estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras.”
*
“Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incômodo.”

Quem conta um conto aumenta um ponto

Quando olho uma figueira, cada folha
tem um desenho diferente.
Cada uma delas tem uma maneira de
se mexer no espaço.
E, no entanto, elas gritam todas,
embora cada qual à sua maneira:
Figueira!
Henri Matisse

Quando vejo a vida como árvore,
cada folha me parece uma pessoa.
Cada uma delas tem uma maneira de
se mexer no espaço.
E, no entanto, elas gritam todas,
cada qual à sua maneira e com ansiedade:
Liberdade!
João Carlos Pecci

Quando vejo o mundo com coragem,
cada pessoa é uma ferida dormente.
Cada uma delas tem uma maneira de
se anestesiar, inutilmente.
E, quase sufocando, elas gritam todas,
cada qual à sua maneira e com ansiedade:
Igualdade!
Lia

Sobre o tempo...

Sei que parece loucura apresentar Dalida e Nana Caymmi no mesmo post, mas proponho reservarmos quaisquer pré conceitos e simplesmente nos deixarmos levar pela sensibilidade, seja ela transmitida pela profundidade da Nana ou pela tristeza brega porém realista da Dalida.

Enjoy!

Resposta ao Tempo (Nana Caymmi)

Composição: Aldir Blanc/Cristovão Bastos

Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho
Pra ter argumento…

Mas fico sem jeito
Calado, ele ri
Ele zomba do quanto eu chorei
Porque sabe passar
E eu não sei

Num dia azul de verão
Sinto o vento
Há fôlhas no meu coração
É o tempo…

Recordo um amor que perdi
Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei…

E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos…

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto…

E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Pra tentar reviver…

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer…

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto…

E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Prá tentar reviver…

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, e ele não vai poder
Me esquecer…

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer…


C’est fini la comédie (Dalida)

Composição: J.Palmer, K.Ricanek, A.La-Bionda, P.Delanoé

C’est fini, c’est fini la comédie
Tout avait commencé comme une pièce à succès
Dans le décor tout bleu d’un théâtre de banlieue
Nous n’étions que nous deux

On s’est aimé longtemps au point d’oublier le temps
Qui tout au long des scènes transformait les joies en peine
Il a gagné le temps, il est content
Quand il nous voit chacun de son côté comme des étrangers
Nous n’avons plus en commun que les mots quotidiens
Le décor n’a pas changé mais les acteurs n’ont rien à jouer

Il faut baisser le rideau
C’est fini, c’est fini la comédie
On était bien parti éternité garantie
On était seuls au monde devant nous la route longue
Pas de sens interditIl a gagné le temps, il est content
Quand il nous voit chacun de son côté comme des étrangers
Nous n’avons plus en commun que les mots quotidiens
Le décor n’a pas changé mais les acteurs n’ont rien à jouer

Il faut baisser le rideau
C’est fini, c’est fini la comédie
Tout avait commencé comme une pièce à succès
Dans le décor tout bleu d’un théâtre de banlieue
Nous n’étions que nous deux

C’est fini
C’est fini la comédie.

Mais do que uma coincidência lingüística

Dizia eu que a aritmética - brincadeira, mas é impossível não lembrar do lendário Professor Girafales quando se inicia o parágrafo com “dizia eu…” Mas vamos lá: dizia eu ao meu amigo Átila que a exata localização do meu coração é bem no meio do estômago. Desde sempre os maus bocados pelos quais passei se fizeram sentir não no peito, mas no estômago. É ele que se contorce no meio de uma enxurrada de lágrimas; é ele que se vira e revira quando parece já não haver saídas, e é ele que realmente sente as punhadas que nos reserva o destino.

Interessante é que em francês a expressão ” J’ai mal au coeur” significa “Estou enjoado”, ao contrário do que trasmitiria a tradução literal “meu coração está doendo”. Segundo o Átila, antigamente o órgão que levava crédito, ou descrédito, pelas emoções era nada mais nada menos do que o fígado, vulgo figo.

Enfim, uma curiosidade não muito curiosa, mas ao menos digna de uma pausa com cara de conteúdo seguida de uma interjeição como um curto, porém enfático “huh”.

Caso algum leitor tenha dados mais aprofundados sobre o tema, por favor fique à vontade para compartilhá-los conosco, mas não sem antes, é claro, prestar as devidas honras ao post através da pausa previamente mencionada.

Infeliz

Estava um pouco infeliz com o "Dois de óculos" e decidi criar um canto meu aqui no Blogspot. Vamos ver como as coisas se adaptam. Bonne chance à moi!
Bem-vindos ao Lia's Land in the Sky!!!