sábado, 12 de abril de 2008

Gotas de Água Viva

Depois da labuta, das compras, da festinha e do retorno ao lar, não sei por que raios, me vi parada na frente da estante olhando para um livro. Era o Água Viva da Clarice. Recordo que comprei esse livro na Laselva do aeroporto de Congonhas e o li de uma única sentada durante um vôo desses curtinhos. Fiquei extasiada com o modo como alguns pensamentos íntimos e subjetivos (tão subjetivos que parecem mais borrões de sentimentos) foram dissecados. Abri o livro e reli ostrechos grifados. E só assim se completou o meu dia. Agora já posso ir dormir.
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“Domingo é dia de ecos - quentes, secos, e em toda a parte zumbidos de abelhas e vespas, gritos de pássaros e o longínquo das marteladas compassadas - de onde vêm os ecos de domingo? Eu deteso domingo por ser oco.”
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“O dia parece a pele esticada e lisa de uma fruta que numa pequena catástrofe os dentes rompem, o seu caldo escorre. Tenho medo do domingo maldito que me liquifica.”
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“Dor é vida exacerbada. O processo dói. Via-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar. E o sangue agradece. Respiro, respiro.”
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“É que os seres excepcionais em qualquer sentido estão sujeitos a mais perigos do que o comum das pessoas. (…) E eu tava tão feliz que me encolhi no canto do táxi de medo porque a felicidade dói.”
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“Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio.”
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“Mas eu denuncio. Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer - e respondo a toda essa infâmia com - exatamente isto que vai agora ficar escrito - e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. (…) Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas - porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou - apesar de tudo oh apesar de tudo - estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras.”
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“Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incômodo.”

Um comentário:

  1. Toda vez que eu penso no domingo, me vem à cabeça uma musiquinha antiga (não me recordo o nome da banda) que tinha um refrão assim: "Tell me why I don't like mondays". Além disso, tem também um livro muito interessante do Ignácio de Loyola Brandão, cujo título é... "O Homem que Odiava a Segunda-Feira". Mas o que tudo isso tem a ver com o domingo???

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