quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O retorno das calças sociais


Pois é, o retorno da labuta traz ansiedade, preguiça - muita preguiça - expectativas e retoma o uso diário das calças sociais. Que seca. Mas no fundo voltar à "boa" e velha rotina profissional é algo prazeroso. Não. Prazeroso chega a ser exagero. Talvez saudável seja o adjetivo que melhor descreve este benefício. Afinal mais uma vez volto a dividir o meu dia com pessoas queridas, com colegas não tão queridos assim e com pessoas que, sem ser pejorativa ou desdenhosa, não cheiram nem fedem. A convivência com os outros, sejam eles quem forem, nos faz refletir a respeito de nós mesmos. A raiz da questão é, em pura e simples base, que só há o eu a partir do momento em que há alguém mais. Nas férias o círculo de pessoas com quem convivo é limitado, o que não significa que não sejam pessoas queridas, mas expandir o número de espelhos ao meu redor faz-me bem. Faz-me pensar e faz-me existir com mais fervor. Sim, a casa está uma grande bagunça. Felizmente a casa está uma grande bagunça. Falta-me tempo para arrumá-la, para cultivar vícios e manias e para delongar-me em tarefinhas superficiais e tediosas. Ficarei feliz de rever as crianças. Trazem vida, muita vida, às vezes até exageradamente, mas nos provêm de risos, bravezas e esperança. Bem, já é tarde e escrever torna-se uma atividade mais desafiadora a cada minuto subtraído prestes a transformar o hoje em amanhã. Vou dormir.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Descobrindo a África


Uma pequena e prazerosa tarefa que me dispus a fazer em Lisboa foi comprar alguns livros de autores africanos lusôfonos. Não que a minha curiosidade fosse enorme, afinal há tantos de qualidade no Brasil que acaba faltanto tempo para que essa curiosidade aflore.
Perguntei à Veerle e à Teresa a respeito. Indicaram-me três autores: Agalusa, angolano; Pepetela, também angolano e Mia Couto do Moçambique.
Ando lá pelos três quartos da Conjura, de Agalusa. Pensava que as diferenças liguísticas fossem maiores. Que nada, entende-se tudo. Aprendo um pouquinho mais sobre a Angola, sobre as crenças do povo e sobre a consciência e o pensamento político desses africanos. Ainda é cedo para um parecer, mas o processo tem sido muito agradável.
Não comprei nenhum livro do Pepetela. Não que as contra-capas não tenham me atraído. Acontece que os euros já se esgotavam e as contra-capas de Mia Couto me conquistaram mais profundamente. Deste só li um conto e alguns poemas por hora. Mas já posso dizer que é de uma criatividade linguística realmente refinada e de uma sensibilidade aguçadíssima.
Feliz da vida estou eu com meus livros africanos. Como passei tanto tempo sem a África?!
"Chaminé em minha casa seria para entrar o céu e não para sair fumaça." (Mia Couto)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Fim da liberadade condicional

Dois dias antes do retorno à labuta. Como nos preparamos para o retorno? Há algo que possa ser feito para que o fim das férias seja menos doloroso?
Pensar nas próximas talvez...

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Fernando Pessoa


Uma das características mais especiais de Lisboa é ela ter sido a cidade de Fernando Pessoa. É emocionante pensar que passei por lugares onde ele esteve, que tomei um café na Brasileira, seu reduto quase que diário, mas ao mesmo tempo, que diferença isso faz? Absolutamente nenhuma.
No entanto foi tocante visitar o seu túmulo e ler o que está registrado ali: justamente um dos meus poemas preferidos, que não é nem de longe um de seus poemas mais recitados.
Trata-se de um poema de Ricardo Reis, o racional, o centrado, o evocador de musas gregas.
Aqui vai:

Para ser grande, sê inteiro.
Nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Desde a primeira vez que me deparei com esse poema, levo-o comigo. Primeiro transcrito numa folha de sulfite e preso no quadro de avisos do meu antigo quarto na casa da Vovó. Mais tarde simplesmente na cabeça. Confesso, entretanto, que nunca segui os conselhos de Ricardo Reis. Falta-me disciplina, concentração e força de vontade para ser inteira. Tenho vivido sempre pela metade ou pelos três quartos.
Dommage.

blah

Já não sei o que há de tão contagioso na preguiça. Será que a preguiça é um acompanhamento da vida confortável, da felicidade? Tudo indica que sim.
Com a mente vazia e a agenda livre cultivo vícios
outrora intoleráveis. Manias que vão se arraigando cada vez mais profundamente na falta do que fazer.
Ora, que seca. Mas é o que se passa.
Um ano e meio de venlafaxina e a estabilidade humorística permanece, mas a concentração, a inspiração... ah, essas viraram história.
Dias tranquilos, cinzentos e insossos já foram, por vezes, muitas vezes, fonte de inspiração. Hoje são apenas dias. Períodos e mais períodos de 24 horas preenchidos de pequenas coisinhas do dia-a-dia, de programas inúteis de TV, de refeições solitárias, de tarefas de casa. Ai, que seca.
Bem, levantemos a bunda do sofá e tentemos fazer algo menos inútil.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Enfin!


Finalmente parece que a minha vontade de escrever superou a enorme preguiça que havia se apossado do meu ser nas últimas semanas.
Não é falta de inspiração, pois inspiração propriamente não há. Acho que nunca houve. Diversos temas pairam no alto do meu cocuruto. Entrelaçam-se, desenvolvem-se, mas exprimí-los em palavras não é tarefa fácil. Acabam por se tornar um emaranhado de ideias que um dia, gosto de pensar assim, serão a matéria prima de contos, crônicas ou até de um romance. Por que não?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Pensava em altos e baixos. Nos obstáculos e nos desafios. Pensava mesmo era nos tais dos porquês. Tão misteriosos, velados, tão essencialmente indecifráveis. Fico inutilmente tentando justificar cada pulsar de cada coração. Será que ao menos há porquês? Confesso que tenho lá um pé atrás com essa crença que tantos defendem com forte veemência.
Organismos biológicos, peso físico, células que se desenvolvem, enzimas, proteínas, ações e reações meramente químicas ou mecânicas. Já dizia Alberto Caeiro: "O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. (...) Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?"

domingo, 10 de maio de 2009

Na beira da vida a gente torna a se encontrar só


Os Povos
(Milton Nascimento e Márcio Borges)
Na beira do mundo
Portão de ferro, aldeia morta, multidão
Meu povo, meu povo
Não quis saber do que é novo, nunca mais
Eh! Minha cidade
Aldeia morta, anel de ouro, meu amor
Na beira da vida
A gente torna a se encontrar só

Casa iluminada
Portão de ferro, cadeado, coração
E eu reconquistado
Vou passeando, passeando e morrer
Perto de seus olhos
Anel de ouro, aniversário, meu amor
Em minha cidade
A gente aprende a viver só

Ah, um dia, qualquer dia de calor
É sempre mais um dia de lembrar
A cordilheira de sonhos que a noite apagou

Eh! Minha cidade
Portão de ouro, aldeia morta, solidão
Meu povo, meu povo
Aldeia morta, cadeado, coração
E eu reconquistado
Vou caminhando, caminhando e morrer
Perto de seus olhos
A gente aprende a morrer só
Meu povo, meu povo
Pela cidade a viver só

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Náusea

Cansaço.
Excesso tem sido uma máxima no meu cotidiano contraditoriamente vazio.
Comprimidos a goles secos. Excessiva sensibilidade estomacal e mental.
Ânsia literária e ânsia física provenientes de Oscar Wilde, Pasternek e venlafaxina. Da última só anseio me libertar. E que passem as náuseas! É sintomático que cresçam as ânsias metafísicas, mas fazer o quê? Viver com elas. Convivê-las.
Tomam forma num vidro de xâmpu, fluem sempre, incessantemente, incansavelmente paralelamente às tarefas diárias e, eventualment
e, estravazam-se num riso exagerado, numa lágrima sentida ou num sonho pesado e encharcado de suor. Um alívio inconsciente.
Passem!

sábado, 4 de abril de 2009

Look at all the lonely people



Pensava na solidão. Como nos circunda, sempre, num modo incansável, invencível.
Não enfatizo o lado negativo, mas sim sua constância e infalibilidade.
Efeitos e defeitos há muitos. Por vezes alívio. Profundidade certa. Dor? Geralmente. Mas de beleza infalível, daquela beleza artística do Oscar Wilde.

Eleanor Rigby
Ah, look at all the lonely people
Ah, look at all the lonely people

Eleanor Rigby picks up the rice in the church where a wedding has been
Lives in a dream
Waits at the window, wearing the face that she keeps in a jar by the door
Who is it for?

All the lonely people
Where do they all come from ?
All the lonely people
Where do they all belong ?

Father McKenzie writing the words of a sermon that no one will hear
No one comes near.
Look at him working. darning his socks in the night when there's nobody there
What does he care?

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Eleanor Rigby died in the church and was buried along with her name
Nobody came
Father McKenzie wiping the dirt from his hands as he walks from the grave
No one was saved

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?
Paul McCartney e Lennon (?)
Pintura de Alice Neel

quinta-feira, 26 de março de 2009

Mario Gil


Luz do Cais

Quem deseja ser do céu
Não vacila frente ao mar

Pula o cerco
Visa o cais
Corre em busca do mais
Não se cansa
Não se retrai
Não no instante em que cai

Quem precisa ter nas mãos
O direito de escolher

Sente o vento
Livra o olhar
Deixa o amor derivar
Não balança
Não se retrai
Segue a trilha que vai

Bem no instante em que cai

domingo, 22 de março de 2009

Me fez feliz

Numa daquelas desenganadas consultas à programação da TV acabei me surpreendendo ao deparar com o início do Dr. Jivago. Foram cerca de 20 minutos de olhos fixos na tela até que me ocorreu que na prateleira do meio da biblioteca havia uma edição do tal.
Folhas amareladas, forte aroma de passado e capas que já se desintegram. Pouco importa. Tomei-o em minhas mãos e tomou-me a profundidade, a genialidade das descrições, dos dosados bocados de filosofia descritos com tanta naturalidade.
Em meio a longos e impronunciáveis "...vitches" e "...vovs" encontram-se paisagens lacônicas, inexplicáveis fragmentos poéticos e pensamentos singelos de tão verdadeiros.
Que descoberta feliz!

"Para buscar a verdade é preciso ser só e romper com todos os que não a amam o bastante. Haverá algo no mundo que mereça fidelidade? Pouquíssima coisa".
Trecho de O doutor Jivago de Boris Pasternak.

O melhor de tudo é que essa foi a coisa menos feliz que me aconteceu neste final de semana...

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O gato vitruviano

A Arca De Noé - O Gato
Bucalov, Toquinho & Vinicius De Moraes

Com um lindo salto
Lento e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão

E pisa e passa
Cuidadoso, de mansinho
Pega e corre, silencioso
Atrás de um pobre passarinho
E logo pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado

Se num novelo
Fica enroscado
Ouriça o pêlo
Mal humorado
Um preguiçoso
É o que ele é
E gosta muito
De cafuné

E quando à noite
Vem a fadiga
Toma seu banho
Passando a língua pela barriga.